Saltou do carro e foi directo ao carro, mas nem sinal d’Ela. Ele não sabia o que pensar. A ideia que lhe passava pela cabeça não podia ser real. Não agora. Não quando deixariam de ser só eles os dois. Não quando surgira um rebento daquele amor, que apesar da fase menos boa, continuava lá, no fundo do seu coração, na essência do seu ser. Não. Olhou na direcção da berma da falésia, e sem saber porquê, uma lágrima percorreu o seu rosto, caindo solitária no chão. Era assim que Ele se sentia agora. Foi até à berma, sem saber se queria ver ou não o que pudesse lá estar. Bem lá no fundo, alojado e protegido das ondas por alguns rochedos, estava o corpo inerte d’Ela. As forças nas pernas faltaram-lhe, e deixou-se cair sobre os joelhos no chão, e soltou um grito, que nunca se soube se foi de raiva ou tristeza.
Passaram-se dias, semanas e até meses, e Ele nunca mais fora o mesmo. Talvez pela culpa que sentia. O arrependimento era tão pesado quanto o mundo, ou talvez até mais. Não haviam mais cores nas flores, nem mais calor do sol. Não havia o cheiro do perfume dela a invadir-lhe as narinas, nem tão pouco o brilho do seu sorriso, ou a suavidade da sua pele. Recordava todos os dias da sua vida aquele fatídico dia, em que tudo acabara. Tal como Ela, também nesse dia Ele foi do Céu ao Inferno. Tornara-se um homem melancólico, carrancudo. Todos diziam que Ele se tornara apenas uma sombra de si mesmo, e nada mais.
A Outra observara de longe o definhar d’Ele. Insistia diariamente, queria reaver aqueles momentos que haviam tido, naquela que para ela fora a sua mais longa relação pseudo-amorosa, mas sem sucesso. Tudo o que Ele lhe oferecia era desprezo, palavras rudes e modos grosseiros. Mas ainda assim, A Outra sentia a necessidade de estar com ele, de o ver. Apesar da sua lacuna de inteligência e consciência, também ela lamentava o que acontecera. Não a morte d’Ela, mas sim no que isso o transformou a Ele. Isso era o que mais lhe custava, a frieza, a indiferença. Isso era o que fazia com que se tornasse insuportável toda aquela situação. Decidira mudar de cidade, por não ter estrutura mental nem psíquica para aguentar o desprezo e o resquício de consciência pesada que se instalara. Desde então, nunca mais ninguém ouvira falar d’A Outra. Comentava-se na padaria, onde as senhoras de alguma idade comentavam desinteressadamente a vida alheia, que se casara com um magnata do ramo financeiro e que partira para as Caraíbas.
Passado algum tempo, também ele desaparecera. Não atendera mais o telemóvel, até que este deixou de tocar. Não atendera quando tocaram à campainha insistentemente. Diziam que também Ele se atirara falésia a baixo. Nunca aparecera um corpo que comprovasse ou desmentisse tal teoria.
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quarta-feira, 1 de junho de 2011
Ele, Ela e A Outra VIII - FINAL
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Ele, Ela e A Outra VII
A Outra não digerira toda aquela humilhação. À sua maneira, A Outra amava-o. Esse sentimento fizera despertar nela todo um engenho que nunca possuíra. Queria tê-lo, independentemente do custo que isso acarretasse. Nenhum custo seria excessivo se isso lhe permitisse ficar com ele. Esperou então discretamente à porta da casa d’Eles à espera que Ela saísse, rezando para que quando o fizesse, fosse sozinha. E assim foi. Tal como se de uma detective se tratasse, segui a concorrente até ao destino final, a falésia. Deixou o carro ainda a uma distância para que Ela não se apercebesse da sua presença, e sorrateiramente aproximou-se d’Ela. Aproveitando-se da distracção d’Ela, agarrou-a e começou a desferir-lhe violentas pancadas na cabeça, deixando-a sem reacção. “Agora já sabes o que é que é bom”, pensou para si. Ela estava desorientada, sem saber ao certo o que lhe estava a acontecer. Quando deu por si, estava na berma da falésia, completamente indefesa, até que, por fim, A Outra empurrou-a falésia a baixo. A Outra ficou a ver o vulto d’Ela desaparecer por entre as rochas, e saiu caminhando com um ar triunfante, de dever cumprido.
Alheio a tudo isto, e já alto ia o sol na janela quando Ele acordou. A sua cabeça parecia ter o peso do mundo, tamanha era a ressaca. As costas também se manifestaram depois de uma noite dormida no sofá. A custo, Ele levantou-se, e quando se dirigia para a cama, deparou-se com um pequeno saco à entrada, que passara despercebido na noite anterior. Abriu-o, e dele retirou um par de sapatos azuis muito pequenos, para bebé. Subitamente, e como se de um remédio instantâneo se tratasse, tudo fizera sentido. Todas as indisposições d’Ela e alguma ansiedade e nervosismo faziam agora todo o sentido. Apressou-se a ir buscar o telemóvel, procurou o número d’Ela e ligou. Quando começa a chamar, ouve o som do toque no quarto, e rapidamente se desloca até lá, constatando que este tocava no chão, depois de passada noite ter sido jogado contra o quadro. Apercebeu-se então que Ela não dormira em casa, e que provavelmente estava em casa de uma das amigas. Pensara em dar-lhe espaço, mas aquilo mudava tudo. Percorreu toda a lista de contactos d’Ela e ninguém sabia do seu paradeiro, pelo que restava uma única opção: a falésia. Ele sabia o quando ela dava valor àquele lugar, e só podia ser lá que Ela estava num momento difícil. Colocou uma t-shirt apressadamente e precipitou-se em direcção à falésia. Ao chegar, viu o carro dela estacionado, e esboçou um sorriso.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Ele, Ela e A Outra VI
Voltou ao quarto, e Ele estava agora de calças e em tronco nu. Precipitou-se na direcção d’Ela mas foi prontamente afastado. Ela apoiou-se na cómoda de costas para ele, agora sentado aos pés da cama. Fitou-o pelo espelho, e num acesso de raiva, arrastou tudo que estava sobre a cómoda. Abriu as gavetas e tudo quanto lhe veio à mão foi também jogado ao chão, enquanto soltou um grito de raiva profunda. O telemóvel começa a vibrar-lhe no bolso, e num acesso de raiva atirou-o na direcção do quadro, fazendo ricochete e tombando o candeeiro da mesa-de-cabeceira.
E agora, estavam os dois ali, sem falar com tanto para dizer, a ensaiar um discurso em silêncio. Ela não estava em si. Em breves instantes o seu mundo desabara. Estava tão feliz não havia nem uma hora, e agora, estava ali, sem saber o que fazer ou dizer. Num súbito acesso de raiva, agarrou nas chaves do carro e saiu disparada porta fora.
Ele continuou no quarto, não tinha coragem de ir atrás dela, já a conhecia, sabia que ela precisaria de espaço e pressioná-la só aumentaria a sua fúria. Não a censurava. Até achava que a reacção d’Ela fora bastante branda. Ele tentou colocar-se no lugar d’Ela, e em nenhuma das hipóteses que conjecturara conseguiria ser tão brando. Dirigiu-se à casa de banho para passar o rosto por água. Não suportava olhar-se ao espelho. A ideia de ter traído aquela que tanto amava por uma simples relação carnal fazia-o sentir nojo de si próprio. Repudiava-se a si próprio por ter deixado toda a situação chegar àquele ponto, ponto esse onde perdera o controlo de tudo. E agora estava ali, só, sem se suportar a si mesmo. Foi até à sala, agarrou na garrafa de whisky que recebera de prenda no Natal que estava no bar da sala, e despejou uma generosa dose no copo. Bebeu tudo de uma só vez, e voltou a encher novamente, um copo a seguir ao outro, até deixar a garrafa vazia, perder o equilíbrio e ficar estendido no chão, tal era o estado de embriaguez.
Ela conduzia o carro mal conseguindo ver o que se encontrava diante dos seus olhos, de tão molhados que estavam das lágrimas. O rebentar das ondas nas rochas sob aquela forte luz de luar era a única forma que sentia ser possível acalmá-la. Fez todo o caminho numa condução irregular porém conseguiu chegar sã e salva à falésia. Desde que se conhecera como gente que frequentava aquele lugar, em pequena com os seus pais, em adolescente com os namorados, e ultimamente, só. Aquele local funcionava como que um retiro espiritual. Quando o trabalho se tornava demasiado stressante ou a relação com ele tinha um momento menos bom, ia para lá, ver o Sol pôr-se lentamente lá ao fundo no horizonte, ou então ver o reflexo da lua brilhante num mar ondulado. Estacionou o carro, saiu e dirigiu-se à extremidade da falésia. Devia ter uma distância de não menos que uns quinze metros até ao mar. Fechou os olhos e abriu os braços. Respirou fundo, como se disso dependesse a sua vida. E ali ficou, perdendo a noção do tempo, do espaço, de tudo. Não sabia se tinham passados poucos minutos ou várias horas, mas sentiu-se leve por instantes ou horas, que não sabia precisar.
domingo, 1 de maio de 2011
Ele, Ela e A Outra V
Ele chegou a casa satisfeito por finalmente ter colocado um ponto final em toda a situação com A Outra. Procurou nos bolsos pela chave de casa, mas não a encontrou, usando a suplente que se encontrava sob o vaso ao lado da porta da cozinha. Sentiu movimento no quarto, e sentiu o cheiro das velas com que partilhara a última noite de verdadeiro amor aquando o aniversário de namoro. Sorrateiramente, foi-se despindo e deixando as peças de roupa pelo chão, até ficar completamente nu. O quarto estava iluminado apenas por algumas velas, e sobre os lençóis de cetim da cama encontravam-se espalhadas algumas pétalas de rosa. Ele viu um corpo sob os lençóis, completamente tapado. Juntou-se a ele, e sentiu aquele cheiro a perfume que tanto gostava. Beijou-a, sentindo o seu corpo. Por momentos pareceu-lhe diferente mas estranhamente familiar, mas deixou-se levar naquele momento que há muito esperava.
Subitamente, a luz do quarto acende-se. Foi como se o tempo quebrasse. Ele sentiu-se confuso. Retirou o lençol sob o qual estava tapado olhando em direcção à porta do quarto. Era Ela. Não quis acreditar, esfregou os olhos, e olhou novamente. Continuava a ser Ela. Já sentindo saber a resposta, olhou sub-repticiamente para o lado, confirmando aquilo que suspeitava: era A Outra. Ela estava paralisada à porta do quarto. Não sabia como reagir. Não sabia se havia de gritar ou chorar, de explodir ou fugir. Mil e um pensamentos percorreram-lhe freneticamente a mente. Ficou especada sem saber o que fazer ou dizer. Ele expulsava A Outra da cama agressivamente. Ao sair da cama, Ela reparou na roupa interior que A Outra tinha vestida. Nada mais nada menos que aquela que usara no casamento. Foi a gota de água. Precipitou-se agressivamente na direcção da loira sensual atacando-a ferozmente. Meio amedrontada, A Outra ficou sem capacidade de ripostar, enquanto era fortemente espancada por Ela e levada em direcção à porta, colocando-a porta fora e jogando a roupa para cima do corpo estendido no chão, fechando a porta num estrondo. Ela respirava ofegantemente, com o coração a bombar a adrenalina corpo fora. Abriu novamente a porta e violentamente retirou a roupa interior que A Outra tinha colocado e lhe pertencia, sem qualquer resistência.
sábado, 30 de abril de 2011
Ele, Ela e A Outra IV
Para Ele aquele relacionamento não passava de uma forma de aliviar a tensão sem a descarregar em cima d’Ela. Tudo não passara de uma conjugação de factores: Ela andava sempre cansada, indisposta e na cama já há muito que as coisas não funcionavam bem. Ele andava tenso do trabalho, e toda aquela situação piorava o seu estado e aumentava a sua fome de sexo, até que dada noite, depois de um jantar com os Colegas de Trabalho e de muito whisky, A Outra apareceu e escusado será explicar o que acontece quando um homem alcoolizado com falta de sexo é seduzido por uma mulher sensual. Desde então que se encontravam duas a três vezes por semana para o que já se poderia considerar o sexo normal. Toda a relação se baseava apenas e só em sexo, puro e duro. Não haviam dramas pessoais, economia ou discussões. Apenas sexo. Sexo bom. Muito sexo. Mas apenas e só isso mesmo: Sexo.
Para A Outra, aquele provavelmente seria o mais próximo de um relacionamento que ela já tivera. Não pela quantidade de tempo dispendido em sexo, mas pelo tempo que já andavam naquilo. Desde a primeira noite de prazer, já haviam passado cerca de três meses. Nunca tivera mais que um ou dois meses com a mesma pessoa, nem nos tempos de secundária. Perdera a virgindade num carro à beira mar, com um rapaz com bem mais que as 14 primaveras pelas quais tinha passado na altura e que conhecera nessa mesma noite. Desde então seguira-se uma infinidade de rapazes de todas as raças, idades e classes sociais a um ritmo alucinante. Tornara-se amante de sexo, e não se importava com quem teria de o fazer, desde que o fizesse.
quinta-feira, 28 de abril de 2011
Ele, Ela e A Outra III
O plano d’Ela era o que mais se aproximava da realidade, pelo simples facto de incluir algumas, mas não todas, Amigas da Faculdade. Apenas as mais chegadas foram incluídas naquele que poderia ser um dos dias mais importantes da vida d’Ela. Encontraram-se no café que desde o tempo de estudos era o ponto de encontro para longas horas de conversa e não só. Mas aquele era um dia especial. Devidamente acomodadas as Amigas da Faculdade e Ela em volta da mesa redonda, Ela remexe a mala em busca do envelope ainda selado das análises que lhe diriam se a sua suspeita era fundada ou não. Com o envelope nas mãos, suspirou e olhou em redor. As Amigas da Faculdade encorajavam-na de tanta curiosidade, até que finalmente Ela abre o envelope que confirma o facto: estava grávida. Tentou manter a expressão séria, de forma a iludir as companheiras que rodeavam. A expressão das Amigas da Faculdade foi-se fechando gradualmente, crentes na negatividade do resultado, quando Ela diz, “Agora tenho em mãos um problema… Quem vou escolher para madrinha?”. Logo as Amigas reagiram à boa nova, com pequenos saltos e gritos de alegria um tanto ou quanto estridentes. Porém, o pensamento d’Ela estava longe, pensando como iria dar a notícia àquele que era o pai o seu filho ou filha. Por entre planos e esquemas numa alongada conversa de horas, o sol já se escondia por trás da serra, e depois das despedidas, Ela tomou o seu rumo em direcção a casa.
O plano d’Ele, ao contrário do d’Ela, não estava nem perto do que Ela imaginava. Ele olhou nervosamente para o relógio. Tinha combinado às três e meia em frente à loja de antiguidades, local escolhido por ser um tanto ou quanto discreto e perto do destino final. Decidira que aquela seria a última vez, que poria um ponto final em toda aquela história que a seu ver há muito se arrastava. Tudo aquilo o fazia sentir mal. Cada vez que pensava n’Ela, sentia-se de consciência pesada, mas naqueles instantes era tudo tão indescritivelmente prazeroso, que por meros instantes fazia valer a pena. Enquanto estes pensamentos se cruzavam por entre a sua mente, A Outra aparece ao fim da rua, cruzando a esquina. Ele suspirou. A Outra estava mais provocante do que alguma vez a vira. O cabelo esticado ondulava ao sabor da brisa leve. O vestido vermelho justo parecia realçar ainda mais as curvas redondas de uma silhueta invejável. Tudo n’A Outra era como se fosse concebido para atrair mortalmente. Sem trocar uma palavra que fosse, seguiram caminho, até ao motel da vila. Palavras não se ouviram naquelas que foram longas horas dominadas pelo prazer e a luxúria, deixando as hormonas e os instintos animais falar mais alto que tudo. Depois de satisfeitos todos os prazeres carnais e humanos, Ele e A Outra tomaram um duche e saíram. Na porta do quarto, e antes de cada um seguir o seu rumo, calma mas firmemente, Ele disse “Acabou”, virando costas e seguindo em direcção a casa, alheio à reacção em mudo d’A Outra. Ficou estática por momentos, com os olhos prestes a rebentar em lágrimas, tremendo e cerrando os punhos como se fosse explodir a qualquer momento, porém, controlou-se. Respirou fundo, limpando cuidadosamente as lágrimas que não chegaram a cair, evitando borrões na maquilhagem. O seu rosto esboçou um sorriso perverso de quem anseia vingança, e nisto, seguiu o caminho oposto àquele que Ele havia seguido, porém, com o mesmo destino.
quarta-feira, 27 de abril de 2011
Ele, Ela e A Outra II
O sol espreitava timidamente por entre as nuvens e a cortina quase transparente da janela do quarto. O relógio digital marcava 6 horas e 59 minutos quando Ela acordou, abruptamente, possivelmente de um qualquer sonho menos agradável. Ainda sem acordar com o verdadeiro termo da palavra, porém sem estar a dormir, forçou as pálpebras para que se abrissem para poder ver as horas. “Ainda é cedo”, pensou, e enquanto se virava, viu-o dormir a seu lado. Esboçou um sorriso, e disse para si mesma, “É hoje”, passando suavemente a sua mão pelo rosto do amado, e adormeceu.
Agora o mesmo relógio marcava as 10 horas e 33 minutos, preciso instante em que Ele acordou. Depois de ver as horas, deitou-se de barriga para cima, fitando o tecto com o braço apoiado sobre a testa. Suspirou. Finalmente conseguira dormir. Há noites que dava voltas e voltas na cama, incomodando-a ocasionalmente, provocando os típicos resmungos de quem quer dormir mas que se vê impossibilitado pela agitação do companheiro. Tentando não a acordar, levantou-se suavemente dirigindo-se para a casa de banho. Lavou a cara, e ficou alguns instantes a fitar-se a si próprio no espelho. Olhou para o lado, e via-a dormir com um olhar de culpado. Não sabia como fora capaz. “É hoje”, interiorizou ao largar a toalha no suporte. Vestiu um fato de treino rapidamente para ir comprar pão à mercearia que ficava mesmo ao fim da rua. Dou lado oposto da estrada, estava A Outra. Sensual como sempre, seguida religiosamente pelos olhares de todos os homens que se encontravam na esplanada na qual trabalhava. Por fim, os olhares cruzaram-se, e A Outra lançou-lhe um olhar sensual, mordiscando levemente os seus lábios carnudos realçados com o batom, acenando de seguida, ao qual Ele respondeu atrapalhadamente, como quem tenta evitar que se note que algo mais havia. Entrou na mercearia, sentindo-se observado, quase pressentindo o olhar fixo d’A Outra. Ao sair, agarrou o telemóvel fingindo digitar uma mensagem de forma a evitar o olhar provocador que lhe estava lançado como se de uma armadilha mortal se tratasse.
Ao chegar a casa, ouviu barulho na cozinha. Ela tinha acordado, e estava a preparar o pequeno-almoço. Largou o pão em cima da mesa, para se dirigir a ela, abraçando-a por trás. Ela sorriu, virou-se e retribuiu o abraço, com um longo beijo. Ele amava-a tanto quanto amava sentir aquele beijo sentido logo pela manhã. Tomaram o pequeno-almoço e planearam o que fazer naquele ensolarado sábado de primavera. Ela iria passar uma tarde de mulheres com as Amigas da Faculdade, e Ele cumpriria o habitual ritual de sábado composto por futebol e cerveja com os Colegas de Trabalho. Cada um preparou-se para o seu programa, encontrando-se no banho, que se prolongou com aquilo que já se poderá imaginar o que é. O relógio indicava que faltavam cerca de 15 minutos para as duas horas, e Ela foi a primeira a sair, despedindo-se com um beijo e um “Até logo”, com um sorriso de alegria e ânsia, que Ele não soube interpretar correctamente, dado o seu raciocínio se sentir inibido pela consciência pesada. Não passaram mais de dez minutos e também Ele saiu. Alheios ao facto de os planos expostos não passarem de farsas, Ele e Ela seguiram para o seu verdadeiro propósito.
sexta-feira, 22 de abril de 2011
Ele, Ela e A Outra I
Ela estava debruçada sobre o parapeito da janela do quarto, a soluçando enquanto as lágrimas lhe percorriam a face redonda. Com o peito da mão limpava as lágrimas, borrando a maquilhagem, enquanto fitava a lua cheia. Por momentos desejou partir para lá sem viagem de retorno. Apenas sentia que o seu mundo desabara há menos de uma hora, e não via como poderia reerguê-lo, pelo menos não naquele momento. Sentia que também ela tinha o direito de extravasar esporadicamente. Não queria olhar para trás. Ainda não se sentia preparada. E enquanto procurava em si forças para digerir tudo aquilo, devorava cigarros, um atrás do outro, como se isso pelo menos a acalmasse.
Sentado aos pés da cama, tremendo a perna freneticamente, Ele punha as mãos à cabeça, e não era preciso nenhum curso especializado em expressão corporal para perceber que o que lhe passava pela cabeça era “Foda-se, que é que eu fui fazer?”. Estava em tronco nu, com a braguilha desapertada e sem meias, como quem se vestiu à pressa. E assim fora. Pelo seu peito definido, o qual denunciava muitas horas semanais passadas no ginásio, escorriam grossas gotas de suor. No seu rosto poder-se-ia ver uma única lágrima corrida, embora fosse evidente que pouco ou nada faltaria para que mais se juntassem à lágrima solitária. Ocasionalmente Ele fitava-a na janela, enquanto fumava quase que de forma irracional.
A Outra era uma mulher atraente. As suas curvas eram definidas e expostas, pelo top curto cujo decote mostrava grande parte dos seios volumosos e arrebitados e pela mini-saia de ganga que vestia. O cabelo loiro e os olhos azuis, conjugados com uma boca de lábios carnudos faziam com que A Outra transpirasse sensualidade, como se da personificação do Sexo se tratasse. Pesasse embora o riso histérico e os tiques um tanto ou quanto irritantes, era a queca que muito bom homem gostaria de dar e contar a todos os amigos, o que não se afigurava assim tão inalcançável, dada a lacuna de inteligência da loira sensual.
O quarto estava completamente revirado. As gavetas da cómoda encontravam-se todas abertas e meio cheias, meio vazias, estando o seu conteúdo espalhado por todo o chão da divisão, bem como todas as fotografias e meros objectos decorativos que acumulavam pó por cima dela. O candeeiro de uma das mesas-de-cabeceira estava tombado, e a luz que dele provinha era intermitente, iluminando de forma errática o quadro sobre a cabeceira da cama, também ele longe de estar em perfeitas condições. (...)
domingo, 20 de março de 2011
Os Opostos IV
quarta-feira, 9 de março de 2011
Os Opostos III
segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
Os Opostos II
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Os Opostos I
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Liberdade
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Passatempo de Fevereiro - Prisão de Palavras
Leiam o texto, é para um passatempo neste blog. Espero que gostem :)
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Meu amor
Sinto tanto a tua falta. Olho em redor e não te vejo, não estás aqui do meu lado na cama, para te encostares a mim, e antes de irmos dormir, segredares ao meu ouvido que me amas. Este silêncio de ti mata-me. Agora, o único som que me faz lembrar de ti é o ruído da ponta da caneta a escrever nesta folha de papel. E é com estas palavras mudas que te escrevo agora que tento, de certa forma, sentir-me mais perto de ti. É como quando estava a falar contigo, e sem dar conta, tu adormecias. Agora é isso que faço. Falo contigo, apesar de saber que não me ouves, que não me vais responder. Mas ainda assim, falo. Alivia-me o peso da solidão e da ausência. Da tua ausência, que tanto me custa sentir. Amo-te. Amo-te tanto, que nenhuma carta será suficientemente grande, profunda ou realista para descrever isto que sinto aqui, bem no meu peito, na tua casa do nosso amor, o meu coração. Mesmo em pleno Verão, o Sol não me aquece como o teu abraço, não me ilumina como o teu sorriso. E mesmo que fosse Inverno, o frio e chuva que se pudesse fazer sentir, em nada se assemelha à tempestade em mim fruto da tua ausência. E assim ficou órfão o nosso amor, com a tua partida. Não sei se voltarás, não sei se algum dia voltarei a sentir o teu beijo nos meus lábios. Percorri todas as ruas, todas as avenidas, subidas e descidas, mas em vão. Em todas elas se fazia notar a tua ausência. Em nenhuma delas te encontrei, e em cada uma delas me fui perdendo. Sou uma sombra do que fui outrora, agora que aqui não estás, a meu lado, segurando a minha mão, dizendo-me para seguir em frente, porque estarias lá para e por mim. Não sei se algum dia chegarás a ler esta carta, não sei sequer se ela chegará até ti, mas precisei de escrever estas palavras para ti.
quinta-feira, 27 de janeiro de 2011
A vida é assim
quarta-feira, 19 de janeiro de 2011
Gostava de voltar atrás no tempo
terça-feira, 18 de janeiro de 2011
A vida vai tão depressa...
segunda-feira, 10 de janeiro de 2011
The Man Who Can't Be Moved
O calor era intenso, pouco faltando para que se atingissem os 40º de temperatura, motivo pelo qual se noticiava o alerta laranja alargado a todo o país. Na esquina, cuja localização é irrelevante, cruzavam-se por dia centenas de pessoas, não fosse ela uma das esquinas mais movimentadas da cidade. Era uma esquina normal, como tantas outras, onde se encontravam duas ruas normais, por onde passavam carros normais, conduzidos por pessoas normais, com vidas nem sempre normais, mas isso são outros quinhentos. Aquela era uma esquina como tantas outras, para a maior parte dos que lá passavam. Representava apenas uma parte do seu percurso para casa, trabalho, escola ou simples passeio.
Era uma esquina a quem ninguém dava importância, porque ao fim ao cabo era uma esquina. Apenas a mencionavam quando ocasionalmente havia um cano rebentado e a água causava transtorno a quem passava, quando o Sr. Costa, agente da polícia se lembrava de multar os carros mal estacionados ou quando a loja de roupa da esquina mudava de gerência, que por sinal, ainda era com alguma frequência. De resto, não se reparava na esquina.
E era mais um dia normal, naquela esquina normal, até que um jovem, de nome Isaac, se sentou no meio relativo da mesma esquina, que por ele lá estar, deixou de ser normal. Isaac sentara-se lá, com a sua guitarra, com a fotografia de uma rapariga, e um letreiro escrito manualmente numa cartolina branca, dizendo “Por favor, volta”. E Isaac começou a tocar na sua guitarra, músicas de amor, músicas da mais lusitana das palavras, a saudade. Entre músicas conhecidas e desconhecidas, mais calmas e mais mexidas, foi captando a atenção da massa popular que por ali passava, mas que parava para ouvir o jovem cantar. Algumas pessoas atiraram algumas moedas para o chão, pois julgavam que era por dinheiro que ele ali estava, porém, estavam errados.
Isaac não estava falido, mas sim, de coração partido.
Tudo começara há poucos meses, quando numa tímida manhã onde a Primavera despertava, dois jovens desconhecidos se encontraram. Encontraram-se literalmente, no que na gíria se chamaria de um grande “encontrão”. Cat, alcunha dada pelas amigas logo nos primeiros anos de escola a Catarina, viu todos os seus livros e cadernos espalhados pelo chão. Isaac apressadamente ajudou a reunir tudo o que se havia espalhado pelo chão daquela até agora normal esquina. Foi então que houve aquele olhar, que havia de ser o primeiro, aquele que tantas e tantas vezes haviam de recordar em noites onde apenas os corações falavam, onde o diálogo de batimentos cardíacos se ouvia em uníssono, onde o calor dos corpos os unia num só. Aquele fora o princípio de algo especial. Desde essa manhã de Primavera que Cat e Isaac se tornaram parte do dia-a-dia um do outro. Primeiro com mensagens e telefonemas até o sol nascer, depois com simples idas ao café conversando temas banais, com o primeiro beijo, com a primeira noite de amor. O tempo passou, e a cada segundo que passava, Isaac sentia-se mais dependente de Cat. Ela não era agora simplesmente o seu amor, a sua namorada. Era o ar que respirava, era o calor que o aquecia, o sol que lhe dava luz. Era tudo. E aparentemente tal sentimento era recíproco. Pelo menos até àquela manhã. Isaac acordara, pensando ver no seu telemóvel a habitual mensagem de bom dia, uma vez que era terça-feira, e ela acordava mais cedo para ir ajudar a mãe no trabalho. Mas assim não foi. À mensagem que enviou a dar o bom dia a Cat, Isaac não teve qualquer resposta. E as horas passaram, até chegarem as 11 horas. Nada. Nem uma mensagem, nem um único sinal de vida. Aproveitou para ir até casa dela, que ficava a pouco mais de 10 minutos da escola, para ver o que se passava. Tocou insistentemente à campainha, mas sem resposta. Pelo menos, não a resposta desejada. Joana, a vizinha do rés do chão direito, andar por baixo do de Cat, ao ouvir a insistência no toque da campainha, apareceu à janela, dizendo com palavras secas:
- Elas não estão, mudaram de casa. Andavam já há uma semana a empacotar as coisas, e ontem à noite entregaram a chave à minha mãe, porque não tinham tempo de a deixar com o senhorio.
Aquilo não fazia sentido. Cat não ia mudar assim de casa, não sem lhe dizer nada, não sem mais nem menos. Aquilo simplesmente não podia ser verdade. Sentiu-se estupidificado, sem saber que dizer, balbuciando a Joana um agradecimento que ela provavelmente não percebera. Tentou ligar-lhe para o telemóvel, mas a única mensagem que ouvia era:
- O número para o qual ligou não tem voicemail activo…
Ligou vezes sem conta, e a mensagem era sempre a mesma. Não conseguia acreditar no que estava a acontecer. Era demasiado para a sua cabeça. Como podia ela ter saído assim? Por mais que tentasse, não conseguia encontrar uma explicação plausível para isto. Caminhou sem rumo, no que lhe parecera horas. O peso da guitarra, ou talvez os quilómetros que já havia percorrido, faziam-lhe doer as pernas. Sabia onde estava, mas no entanto, sentia-se perdido. Quando deu por si, estava na esquina, naquela esquina, onde tudo começara. Foi então que uma ideia que tinha um tanto de louca como de genial lhe ocupou o pensamento. E se ficasse ali, onde tudo começara? Não conseguia pensar, mas talvez fosse o que para ele fizesse mais sentido. Agarrou na mala da guitarra, onde tinha a cartolina para um trabalho, e escreveu “Por favor, volta”. Sentou-se na esquina, onde provavelmente há alguns meses estavam espalhados os livros e cadernos de Cat, onde tinha havido aquele olhar, que tanto o marcara. Foi então que uma lágrima solitária lhe percorreu o rosto. Colocou a cartolina no chão, onde ficou visível a quem passasse. Tirou a fotografia que tinha na carteira, de um dia em que ele nunca pensava vir a estar em semelhante situação.
Tudo isto levava-o a estar ali, a tocar tantas músicas quantas sabia, tantas quantas lhe faziam lembrar o que sentia. As pessoas que passavam, não entendiam a sua dor. Não entendiam que o seu mal não era dinheiro. Antes fosse, era o que pensava. E ali ficou.. Uma ou outra pessoa que passava murmurava algo como:
- Esta juventude, mete-se na droga depois dá nisto! Havia de ser meu filho…!
Passaram-se as horas. O sol pôs-se e nasceu, e Isaac continuou ali. Coisas triviais como a fome, a sede, o calor ou frio, pareciam não o afectar. E com o passar das horas, dias. Enquanto isso, Isaac permaneceu ali. Durante quatro dias e cinco noites. Nada. Nem uma simples notícia de Cat. Não sabia o que fazer. A fome e a sede falaram finalmente mais alto, consumindo-lhe todas as energias, que ele nem sabia possuir. Durante quatro dias e cinco noites, não comeu, não dormiu, não bebeu. Isaac acabara por mostrar, mesmo que sem querer, a capacidade de resistência de um ser humano. Por fim, Isaac perdeu as forças, ficando inanimado, inerte, no chão da esquina. Até ser socorrido, passaram 5 minutos. As mesmas pessoas que o haviam aplaudido no primeiro dia, enquanto tocava guitarra, passavam agora por ele, deitado no chão, sem sequer se perguntar se ele estaria bem. Tinha sido tarde demais para Isaac.
A desidratação e a fome levaram a melhor. O cansaço e a angústia tinham levado Isaac ao seu extremo. A esperança de que Cat voltaria, fez com que aguentasse, mas não eternamente. Isaac perecera então ali, naquela esquina que era normal para muitos, que tinha sido especial para ele, que se tornara na sua sepultura.
No funeral aparecera metade da vila, que passivamente assistira a toda aquela degradação que tinham sido os últimos dias de Isaac. Inclusivamente, por entre choros da família e amigos mais próximos, uma rapariga presente pareceu bastante abalada. Havia quem comentasse que era Cat, mas antes que fosse possível perguntar-lhe o que fosse, a misteriosa rapariga desapareceu.
FIM