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segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

The Man Who Can't Be Moved

O calor era intenso, pouco faltando para que se atingissem os 40º de temperatura, motivo pelo qual se noticiava o alerta laranja alargado a todo o país. Na esquina, cuja localização é irrelevante, cruzavam-se por dia centenas de pessoas, não fosse ela uma das esquinas mais movimentadas da cidade. Era uma esquina normal, como tantas outras, onde se encontravam duas ruas normais, por onde passavam carros normais, conduzidos por pessoas normais, com vidas nem sempre normais, mas isso são outros quinhentos. Aquela era uma esquina como tantas outras, para a maior parte dos que lá passavam. Representava apenas uma parte do seu percurso para casa, trabalho, escola ou simples passeio.

Era uma esquina a quem ninguém dava importância, porque ao fim ao cabo era uma esquina. Apenas a mencionavam quando ocasionalmente havia um cano rebentado e a água causava transtorno a quem passava, quando o Sr. Costa, agente da polícia se lembrava de multar os carros mal estacionados ou quando a loja de roupa da esquina mudava de gerência, que por sinal, ainda era com alguma frequência. De resto, não se reparava na esquina.

E era mais um dia normal, naquela esquina normal, até que um jovem, de nome Isaac, se sentou no meio relativo da mesma esquina, que por ele lá estar, deixou de ser normal. Isaac sentara-se lá, com a sua guitarra, com a fotografia de uma rapariga, e um letreiro escrito manualmente numa cartolina branca, dizendo “Por favor, volta”. E Isaac começou a tocar na sua guitarra, músicas de amor, músicas da mais lusitana das palavras, a saudade. Entre músicas conhecidas e desconhecidas, mais calmas e mais mexidas, foi captando a atenção da massa popular que por ali passava, mas que parava para ouvir o jovem cantar. Algumas pessoas atiraram algumas moedas para o chão, pois julgavam que era por dinheiro que ele ali estava, porém, estavam errados.

Isaac não estava falido, mas sim, de coração partido.

Tudo começara há poucos meses, quando numa tímida manhã onde a Primavera despertava, dois jovens desconhecidos se encontraram. Encontraram-se literalmente, no que na gíria se chamaria de um grande “encontrão”. Cat, alcunha dada pelas amigas logo nos primeiros anos de escola a Catarina, viu todos os seus livros e cadernos espalhados pelo chão. Isaac apressadamente ajudou a reunir tudo o que se havia espalhado pelo chão daquela até agora normal esquina. Foi então que houve aquele olhar, que havia de ser o primeiro, aquele que tantas e tantas vezes haviam de recordar em noites onde apenas os corações falavam, onde o diálogo de batimentos cardíacos se ouvia em uníssono, onde o calor dos corpos os unia num só. Aquele fora o princípio de algo especial. Desde essa manhã de Primavera que Cat e Isaac se tornaram parte do dia-a-dia um do outro. Primeiro com mensagens e telefonemas até o sol nascer, depois com simples idas ao café conversando temas banais, com o primeiro beijo, com a primeira noite de amor. O tempo passou, e a cada segundo que passava, Isaac sentia-se mais dependente de Cat. Ela não era agora simplesmente o seu amor, a sua namorada. Era o ar que respirava, era o calor que o aquecia, o sol que lhe dava luz. Era tudo. E aparentemente tal sentimento era recíproco. Pelo menos até àquela manhã. Isaac acordara, pensando ver no seu telemóvel a habitual mensagem de bom dia, uma vez que era terça-feira, e ela acordava mais cedo para ir ajudar a mãe no trabalho. Mas assim não foi. À mensagem que enviou a dar o bom dia a Cat, Isaac não teve qualquer resposta. E as horas passaram, até chegarem as 11 horas. Nada. Nem uma mensagem, nem um único sinal de vida. Aproveitou para ir até casa dela, que ficava a pouco mais de 10 minutos da escola, para ver o que se passava. Tocou insistentemente à campainha, mas sem resposta. Pelo menos, não a resposta desejada. Joana, a vizinha do rés do chão direito, andar por baixo do de Cat, ao ouvir a insistência no toque da campainha, apareceu à janela, dizendo com palavras secas:

- Elas não estão, mudaram de casa. Andavam já há uma semana a empacotar as coisas, e ontem à noite entregaram a chave à minha mãe, porque não tinham tempo de a deixar com o senhorio.

Aquilo não fazia sentido. Cat não ia mudar assim de casa, não sem lhe dizer nada, não sem mais nem menos. Aquilo simplesmente não podia ser verdade. Sentiu-se estupidificado, sem saber que dizer, balbuciando a Joana um agradecimento que ela provavelmente não percebera. Tentou ligar-lhe para o telemóvel, mas a única mensagem que ouvia era:

- O número para o qual ligou não tem voicemail activo…

Ligou vezes sem conta, e a mensagem era sempre a mesma. Não conseguia acreditar no que estava a acontecer. Era demasiado para a sua cabeça. Como podia ela ter saído assim? Por mais que tentasse, não conseguia encontrar uma explicação plausível para isto. Caminhou sem rumo, no que lhe parecera horas. O peso da guitarra, ou talvez os quilómetros que já havia percorrido, faziam-lhe doer as pernas. Sabia onde estava, mas no entanto, sentia-se perdido. Quando deu por si, estava na esquina, naquela esquina, onde tudo começara. Foi então que uma ideia que tinha um tanto de louca como de genial lhe ocupou o pensamento. E se ficasse ali, onde tudo começara? Não conseguia pensar, mas talvez fosse o que para ele fizesse mais sentido. Agarrou na mala da guitarra, onde tinha a cartolina para um trabalho, e escreveu “Por favor, volta”. Sentou-se na esquina, onde provavelmente há alguns meses estavam espalhados os livros e cadernos de Cat, onde tinha havido aquele olhar, que tanto o marcara. Foi então que uma lágrima solitária lhe percorreu o rosto. Colocou a cartolina no chão, onde ficou visível a quem passasse. Tirou a fotografia que tinha na carteira, de um dia em que ele nunca pensava vir a estar em semelhante situação.

Tudo isto levava-o a estar ali, a tocar tantas músicas quantas sabia, tantas quantas lhe faziam lembrar o que sentia. As pessoas que passavam, não entendiam a sua dor. Não entendiam que o seu mal não era dinheiro. Antes fosse, era o que pensava. E ali ficou.. Uma ou outra pessoa que passava murmurava algo como:

- Esta juventude, mete-se na droga depois dá nisto! Havia de ser meu filho…!

Passaram-se as horas. O sol pôs-se e nasceu, e Isaac continuou ali. Coisas triviais como a fome, a sede, o calor ou frio, pareciam não o afectar. E com o passar das horas, dias. Enquanto isso, Isaac permaneceu ali. Durante quatro dias e cinco noites. Nada. Nem uma simples notícia de Cat. Não sabia o que fazer. A fome e a sede falaram finalmente mais alto, consumindo-lhe todas as energias, que ele nem sabia possuir. Durante quatro dias e cinco noites, não comeu, não dormiu, não bebeu. Isaac acabara por mostrar, mesmo que sem querer, a capacidade de resistência de um ser humano. Por fim, Isaac perdeu as forças, ficando inanimado, inerte, no chão da esquina. Até ser socorrido, passaram 5 minutos. As mesmas pessoas que o haviam aplaudido no primeiro dia, enquanto tocava guitarra, passavam agora por ele, deitado no chão, sem sequer se perguntar se ele estaria bem. Tinha sido tarde demais para Isaac.

A desidratação e a fome levaram a melhor. O cansaço e a angústia tinham levado Isaac ao seu extremo. A esperança de que Cat voltaria, fez com que aguentasse, mas não eternamente. Isaac perecera então ali, naquela esquina que era normal para muitos, que tinha sido especial para ele, que se tornara na sua sepultura.

No funeral aparecera metade da vila, que passivamente assistira a toda aquela degradação que tinham sido os últimos dias de Isaac. Inclusivamente, por entre choros da família e amigos mais próximos, uma rapariga presente pareceu bastante abalada. Havia quem comentasse que era Cat, mas antes que fosse possível perguntar-lhe o que fosse, a misteriosa rapariga desapareceu.

FIM

(ideia retirada da música de The Script - The Man Who Can't Be Moved)

1 comentário:

  1. o coração dele parou, porque alguém o matou. mais que nao fosse, a esperança que o fez continuar ali.

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