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domingo, 2 de janeiro de 2011

Era uma vez... - Parte V

Entreabri os olhos para ver onde estava, tentando olhar em redor. Senti a máscara do que pensava ser oxigénio no meu rosto, tendo o pescoço imobilizado por uma daquelas coisas que se vêem nas novelas e nos filmes, que não sei como se chamam. Ouvi alguém, não sei se enfermeiro, médico ou bombeiro dizer:
- Está consciente, está consciente!
A dor era intensa. Pensava em como descrevê-la, mas não consegui. Era algo completamente inexplicável, impossível de quantificar. Voltei novamente a perder os sentidos, depois de sentir-me a deslizar através da maca na qual eu seguia, no que eu julgava ser os corredores do hospital. Quando recuperei a consciência, já estava num quarto, já não me sentia tão mal, não sentia as dores, na verdade, sentia que não sentia coisa nenhuma. Só o facto de respirar me fez sentir que ainda existia vida em mim. Olhei para o lado e lá estava ela, a minha mulher, a dormir no sofá adjacente à minha cama, numa posição de quem tentara lutar, embora em vão, contra o sono e o cansaço. Senti a sua mão quente a segurar a minha. Esbocei um sorriso. O coração acelerou, e uma lágrima correu-me no canto do olho. Emocionei-me. Eu sabia que ela tinha estado comigo todo aquele tempo, passara a noite segurando-me a mão. Lembro-me de a ouvir dizer que me amava, e que estaria sempre ali, no que pareceu ter sido um sonho real. Por ela tudo valia a pena, e lamentei por não ter estado sempre lá para ela como ela estava incondicionalmente para mim. Começo a ouvir ao longe o som de passinhos no corredor, tal como tinha ouvido quando acordara na manhã anterior. Sabia que os meus filhos vinham aí. Mais um motivo para sentir que valia a pena, mais uma lágrima que me percorreu o rosto. A porta abre-se com o reboliço habitual das manhãs de todos os dias normais. Vejo de seguida a minha irmã, seguida do Tom e da minha mãe. Com isto acorda a minha mulher, que me presenteou com um sorriso. Estavam todos ali. Os mais chegados, aqueles que sendo sangue do meu sangue, me eram mais importantes. Sorri novamente, desta vez sem lágrimas. Os meus filhos saltaram para cima da cama, abraçando-se a mim como nunca o tinham feito, como se fosse a última vez ou como se já não me vissem há muito tempo.
- Belo susto não maninho? - disse a minha irmã, em tom trocista, enquanto se aproximava para me dar um beijo na testa.
- Nem me digas nada, isto de ter acidentes não é lá muito cómodo. Vou ver se arranjo outro hobby, um menos prejudicial à saúde! - brinquei eu, causando uma gargalhada no grupo.
- Espero bem que sim, olha que a tua mãe está a ficar velha para sustos destes! - rematou a minha mãe.
Estivemos ali mais um tempo, na conversa e a brincar, como há muito não fazíamos. Nem parecia que estávamos no hospital e que eu tinha tido um acidente de carro. Apesar do ligeiro desconforto que sentia, causado pelas mazelas do acidente, estava bem, sentia-me bem, porque todos os que ali estavam faziam-se sentir dessa forma. Foram essas pessoas que me animaram nos momentos mais complicados, que estiveram sempre lá com a conversa ou gesto certo. Aquela era a minha verdadeira família, aqueles que eu sabia que independentemente do que acontecesse, estariam sempre lá. Reuniram-se todos em redor da minha cama, e subitamente foi como se sentisse o tempo parar. Olhei para eles, um a um, como se tirasse uma fotografia mental. Era como se aquela fosse a última vez que os veria. Nisto, e interrompendo o meu momento de reflexão, entra a enfermeira no quarto:
- Lamento imenso mas vão ter de se retirar, o Sr. Filipe tem de tomar a medicação e descansar, e se tudo correr bem, o Dr. Isidro diz que amanhã ele já terá alta.
Todos se despediram com um beijo ou abraço e foram saindo, até eu ficar só, enquanto a enfermeira me dava os medicamentos. Fiquei ali um pouco, a fitar o vazio. Senti a minha mente leve, a flutuar. Pensei em tudo. Nos meus filhos, na minha mulher, na minha mãe e irmã. Ainda há pouco tinham saído e eu já sentia a sua falta. Pouco a pouco os olhos foram fechando, fechando, até eu adormecer.


Acordei. Vi as horas, eram 8 em ponto. Levantei-me, e dirigi-me praticamente de olhos fechados até à casa de banho. Fiz o meu chichi matinal. Normal. Fui então até ao lavatório, lavei as mãos e o rosto. Olhei para o espelho, e não notei qualquer diferença. Era eu, mas não o eu que tinha uma mulher, três filhos e mais anos em cima. Era eu, de 20 anos, que me estava a levantar como sempre, para mais um dia como tantos outros, um dia normal, e a única diferença era o facto de ter dito um sonho, tão real, que por momentos cheguei a pensar que tudo era realidade. Mas não passara isso de um sonho, um sonho que um dia mais tarde viria a contar àqueles que, sem saber, fizeram parte dele.

FIM

1 comentário:

  1. Um sonho, que foi bom, e que foi mau, e que nao passou disso mesmo... de um sonho.
    Igual a tantos outros, que temos, porque desejamos ou temos medo de perder alguma coisa.
    Espero nunca sonhar em te perder, seria sinal de que esse medo me rodeava, e sem ti, vivo no escuro, de um sonho que não tem imagem ou som algum.
    amo-te

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