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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Os Opostos II

Ainda se lembrava da primeira vez que a vira. Estava sentado nos bancos do pavilhão A quando a viu entrar. O vento ondulava-lhe o cabelo castanho-claro, dando a impressão de slow-motion. O seu sorriso cintilante, na altura de aparelho, era algo de extraordinário, pensou ele. Naquele dia, pensou para si próprio, conhecera a rapariga dos seus sonhos. Desde então nunca mais deixara de a observar, de ter a necessidade de saber dela, de a ver. Queria falar com ela, mas a sua timidez impedia-o de travar amizade ou sequer de trocar uma palavra que fosse além do “não fumo”, quando ela lhe pedia isqueiro. Chegou mesmo a pensar em começar a fumar só para ter um motivo para prolongar a conversa. Porém, optara por apenas comprar um isqueiro, mas constatou que não surtia o efeito desejado, uma vez que agora em vez de “não fumo”, dizia “de nada”, cada vez que ela agradecia.
Tommy raramente saía à noite, era normalmente um rapaz recatado, que preferia uma bela noite a ver filmes do que ir para uma discoteca ouvir músicas de “pisar o vinho e apontar o dedo ao Senhor”. Mas naquela noite, não sabia porquê, sentia vontade de sair. Possivelmente por causa da insistência do João e da Mónica, que o convidaram para ir ao bar lá da zona para comemorar os seus 4 anos de namoro. Talvez por isso, acedera à insistência, e agarrara no carro para ir em direcção ao bar. Volvidas algumas horas, alguns copos e muitas gargalhadas, já estava a caminho de casa, quando vê uma rapariga estendida no chão, no meio da estrada. Abrandou o carro, mas trancou as portas e não parou. Sabia que havia muitos casos de assaltos em situações semelhantes. Mas ao aperceber-se de quem era, parou subitamente o carro e precipitou-se em direcção à silhueta inanimada no asfalto.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Os Opostos I

Todos os dias Tomás, Tommy para os amigos, a observava de longe na escola. Ela, Joana de seu nome, era talvez a rapariga mais atraente em toda a escola. E popular. Quase toda a gente que interessava da hierarquia social da Secundária a conhecia, saía com ela à noite e estava presente numa das suas muitas fotos no Facebook. Era aliás através da rede social que Tommy sabia o que Joana fazia. Era daquelas raparigas que raramente dava um passo sem publicar no mural, e quando não o fazia, no dia seguinte, aquando a ressaca, publicava as fotos no seu perfil. “Quem me dera ter uma foto com ela”, pensou Tommy para consigo mesmo.

Tommy, por sua vez, era um rapaz praticamente invisível. Pouca gente conhecia, e pouca gente sabia quem ele era. Até mesmo Joana, que pertencia à sua turma desde o início do Secundário parecia nem sequer se aperceber da sua existência. Tommy não se destacava em nada. Não era nem o melhor nem o pior aluno da turma, não se vestia de forma diferente, não era demasiado alto ou baixo e raramente falava. Era o oposto de Joana, que se vestia com roupas provocantes, sempre actualizada dos conceitos e modas de cada época. Ouvia frequentemente Cristina e Ana atrás de si nas aulas de Matemática comentarem a indumentária da colega. Era também uma rapariga extremamente divertida e extrovertida. Talvez fosse por ser tão diferente de Tommy que este tanto se fixara nela. Às vezes dava por si horas a fio a ver as fotos dela no Facebook, a ver os comentários, as publicações, as notas. Tudo. Na escola passava muitos dos intervalos a vê-la ir para trás dos pavilhões fumar. Tommy vira Joana degradar-se aos poucos. Até entrar para a Secundária, segundo o que ouvira, Joana apenas tinha tido um namorado. Agora, passados 2 anos e uns meses, já lhes perdera a conta. Entre o João, capitão da equipa de Andebol da escola, o primeiro que se lembra de ver com ela, e Miguel, vice-campeão nacional de Surf, com quem estava agora, já haviam sido uns quantos. Todos tinham as mesmas características chave: bonitos, fortes e populares, daqueles por quem a população escolar feminina suspirara.

Agora, apesar de não perder o seu encanto, notava-se a diferença. Os intervalos a fumar ganza fizeram com que o seu aproveitamento escolar passasse de satisfatório para mau. Ouvia-a muitas vezes comentar à segunda de manhã com Sofia que não se lembrava do que acontecera nas noites do fim-de-semana, tal deveria ser a quantidade de álcool ou drogas consumidas. Tommy perguntava-se se não seria mesmo a junção das duas que causava esse efeito. Mas ainda assim, não se conseguia desprender de a observar, de a ver.

(Continua...)

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Liberdade

Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não fazer!
Ler é maçada,
Estudar é nada.
Sol doira
Sem literatura
O rio corre, bem ou mal,
Sem edição original.
E a brisa, essa,
De tão naturalmente matinal,
Como o tempo não tem pressa...

Livros são papéis pintados com tinta.
Estudar é uma coisa em que está indistinta
A distinção entre nada e coisa nenhuma.

Quanto é melhor, quanto há bruma,
Esperar por D.Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,

Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

Mais que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...


Fernando Pessoa

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Meu amor

Meu Amor,


Sinto tanto a tua falta. Olho em redor e não te vejo, não estás aqui do meu lado na cama, para te encostares a mim, e antes de irmos dormir, segredares ao meu ouvido que me amas. Este silêncio de ti mata-me. Agora, o único som que me faz lembrar de ti é o ruído da ponta da caneta a escrever nesta folha de papel. E é com estas palavras mudas que te escrevo agora que tento, de certa forma, sentir-me mais perto de ti. É como quando estava a falar contigo, e sem dar conta, tu adormecias. Agora é isso que faço. Falo contigo, apesar de saber que não me ouves, que não me vais responder. Mas ainda assim, falo. Alivia-me o peso da solidão e da ausência. Da tua ausência, que tanto me custa sentir. Amo-te. Amo-te tanto, que nenhuma carta será suficientemente grande, profunda ou realista para descrever isto que sinto aqui, bem no meu peito, na tua casa do nosso amor, o meu coração. Mesmo em pleno Verão, o Sol não me aquece como o teu abraço, não me ilumina como o teu sorriso. E mesmo que fosse Inverno, o frio e chuva que se pudesse fazer sentir, em nada se assemelha à tempestade em mim fruto da tua ausência. E assim ficou órfão o nosso amor, com a tua partida. Não sei se voltarás, não sei se algum dia voltarei a sentir o teu beijo nos meus lábios. Percorri todas as ruas, todas as avenidas, subidas e descidas, mas em vão. Em todas elas se fazia notar a tua ausência. Em nenhuma delas te encontrei, e em cada uma delas me fui perdendo. Sou uma sombra do que fui outrora, agora que aqui não estás, a meu lado, segurando a minha mão, dizendo-me para seguir em frente, porque estarias lá para e por mim. Não sei se algum dia chegarás a ler esta carta, não sei sequer se ela chegará até ti, mas precisei de escrever estas palavras para ti.

Despeço-me de ti, com um beijo de saudade e um até já, do sempre teu,
Amor